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Como foi cuidar de uma pessoa infectada com COVID-19?

Notícias da Província

14.05.2020 - 06:00:00 | 5 minutos de leitura

Como foi cuidar de uma pessoa infectada com COVID-19?

|Frei Didier Espiridião Neto | Como foi cuidar de uma pessoa infectada com COVID-19 ? Foi como cuidar de uma pessoa que não tivesse sido infectada pelo COVID-19.

A finalidade do meu testemunho julgo ser importante porque, mesmo com todos os cuidados tomados pela maioria da população, muitos de nós vão travar a mesma batalha nas próximas semanas, ou nos próximos meses, não se sabe ainda quanto tempo teremos para seguir lutando por nossas vidas. Nenhum de nós esperou viver isso. É sem dúvida um dos maiores marcos nos últimos anos de história. É uma experiência que vai ficar marcada na vida de todos nós!

Ouvir testemunhos de quem já passou pela experiencia de pegar Covid-19, ou de quem cuidou de um doente acamado pela doença e se curou, mostra que há saída no fim do túnel, há Luz!Trata-se de um alento aos nossos corações, sobretudo quando recebemos apoio fraterno ou esvaziamo-nos de nós mesmos para encontrar Deus em um irmão. 

Sou frade da Ordem dos Agostinianos Recoletos, província Santo Tomás de Vilanova. Bebendo da regra de Santo Agostinho, nela se encontra a resposta. “Antes de tudo, caríssimos irmãos, amemos Deus e depois ao próximo, porque estes são os principais mandamentos que nos foram dados. Em primeiro lugar - já que com este fim, vocês se congregaram em comunidade - vivam unânimes em casa e tenham uma só alma e um só coração orientados para Deus”.

Entendem? Cuidar de alguém com Covid-19 foi uma experiência inesquecível e inusitada. A doença não é nada, não ocupa um lugar de destaque perante a vontade de Deus que se exprime naquele momento, no cuidado e zelo dedicado a um irmão. A doença Covid-19 não é nada!!Deus é tudo! Pretensiosamente, em geral, nós gostamos de definir Deus! Deus é Nosso Pai e Sua Misericórdia é infinita!

Tudo teve início quando um de nossos frades começou a apresentar os sintomas característicos da doença. Não se sentia bem. Logo, pediu para que um outro frade o levasse ao hospital e assim foi feito!

Passado pela consulta médica, foi recomendado que o frade fizesse e o teste específico a fim de detectar presença do vírus. O material colhido, foi analisado e assim o diagnóstico pôde ser finalmente comprovado, o exame feito acusou positivo. A médica então,recomendou que o frei mais jovem da casa pudesse auxiliar aquele que estava acometido pelo novo corona, no caso, eu.

Quando chegou a orientação médica designando-me para desafiadora missão, não pensei em nada, não tive medo. Fiquei sim preocupado com o irmão que teria de estar e manter-se isolado, seja em casa ou no hospital.

Algumas pessoas me perguntaram: “Você teve medo?”“Como foi?”

Não tive medo de nada. Pois ali estava um irmão. Quando seu pai, mãe e irmão ou irmã, estão precisando de ajuda, não os ajudamos? Ele é meu irmão de comunidade, poderia também ser um desconhecido, também cuidaria, pois somos irmãos, filhos do mesmo Pai Glorioso, o Autor da Vida!

Como já relatava Santo Agostinho: “vivam unânimes em casa e tenham uma só alma e um só coração orientados para Deus”.

“Quem ama não teme”. O medo que me ocorria era de estar no lugar de muitos irmãos nossos sem atendimento, sem hospitais, sem alguém para lhe dar um copo d’água, sem uma voz para dizer “bom dia, eu estou aqui ....”

Medo da morte? Também não, ouso a dizer, não tenho! A morte um dia chamada por são Francisco de irmã. Tenho um relacionamento meio estranho para alguns com a morte. Lembro-me da família, que haja vista por parte materna de meu pai é bem grande e, por assim ser, vi muitas despedidas, a morte para mim, era momento de rever parentes, de conhecer parentes que nem imaginava ter, era alegria, tinha até piada e brincadeiras por parte de um aglomerado de crianças, vendo e sem entender a dor nos maiores.  

Sim, tive medo e tenho medo da dor de muitos que estão enterrando os seus sem ao menos poder despedir-se direito, sem um só “tchau”. 

Desde o começo, vi que o Covid-19 não se tratava de uma estatística, vi seu nome, seu endereço, sua história, sua família (religiosa e sanguínea), ao lado de minha cela (quarto), concluí: o Covid-19 possui nome.

Vi nos olhos daquele frei, o que era iniciar uma quarentena, vi que meu coração precisava voltar, como diz Santo Agostinho,“ao mais íntimo do meu íntimo”.

Revi minha vida, os cômodos que não visitava há tempo pela correria do dia a dia. Percebi, humildemente, que minhas feiuras são maiores que minhas belezas. Que necessito e necessitarei sempre da Misericórdia do Senhor. Por isso, não temo minha morte, temo sim, a dos outros. Porque sei que a morte é uma passagem para estar com Deus, com o Amor. Sei também que na presença do Amor terei contas a ajustar, ficar diante Dele e assumir tudo o que fiz.

Quarentena foi e está sendo um exercício santificado de voltar ao coração para poder sair ao encontro do outro.

Relembrei os doentes que cuidei, até mesmo contra minha vontade, nos tempos de seminário e fora dele. Pessoas que são irmãos, que precisavam de uma ajuda. Cuidar da rotina diária de doentes, foi me despir de hábitos e impressões preconceituosas e de repulsa para trás (levar ao banheiro, dar banho...). Só Deus sabe o que é isso para a pessoa que precisa e para quem a ajuda!

O frade que cuidei com Covid-19 não precisou de cuidados particulares, somente que levasse seu alimento e, que retirasse o que fosse preciso de seus aposentos.

Enfim, agradeço a Deus, por mais uma vez, ter me feito esvaziar-se de mim, para encontrá-Lo no outro. “Só temos hoje para amar, só temos agora, amar como Jesus, o amor é tudo, o amor faz o difícil ser fácil”. “Uma só alma e um só coração dirigido para Deus”.

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