Entrevista com Dom Azcona
28.12.2022 - 09:48:00 | 7 minutos de leitura

Em entrevista à recoletosstv. Org, Dom José Luiz Azcona, religioso Agostiniano Recoleto (OAR) e Bispo Emérito da Prelazia do Marajó, fala sobre condecoração recebida Ordem do Mérito Princesa Isabel.
Repórter: O que significou essa homenagem?
Dom José: Para mim foi a confirmação de um percurso linear. E à resposta a fidelidade do que recebi na pia batismal da minha paróquia lá na Espanha, em Navarra e na minha família. Esta me ensinou que a verdade é o começo, o meio e o fim de toda a sociedade e da dignidade humana.
A luta por Direitos Humanos tem como alicerce a verdade ou do contrário não é mais defesa de Direitos. Por outra parte, o reconhecimento do princípio da Justiça marcou até o dia de hoje essa mesma defesa da Dignidade Humana. Desde faz muitos anos fiquei envolvido pela afirmação de santo Agostinho: “Uma sociedade onde não se respeita a justiça rapidamente se converte num imenso bando de ladrões”.
O amor na verdade, aos pobres, aos pequenos, aos humilhados e aos desprezados, foi a identidade que marcou meu sacerdócio desde a década dos anos 60 como capelão de migrantes espanhóis na Alemanha até os dias de hoje.
Reporter: O que motivou a recepção desta condecoração?
Dom José: O que tem motivado a recepção desta condecoração tem sido o serviço e a assistência próxima àquele público alvo do Ministério de Direitos Humanos, da família e da mulher, tanto no âmbito nacional quanto internacional. No contexto nacional onde já faz décadas se iniciou essa luta por Direitos Humanos tem me levado a perigos, ameaças demorte, a confrontos interiores comigo mesmo e a denúncias necessárias sobre injustiças. Flagrantes que se cometiam aqui no Marajó e continuam perpetrando-se, sobretudo, na área das defesas da criança, enfrentamento ao abuso sexual das mesmas, de adolescentes e de vulneráveis.
Mas também a luta pela justiça, pelos Direitos Humanos fundamentais aqueles que estão elencados já no primeiro artigo da Constituição brasileira, por exemplo a soberania, a cidadania, a dignidade do trabalho e emprego humanizado são direitos inexistentes até o dia de hoje no arquipélago marajoara.
Ausência do pluralismo político enfatizado nesse primeiro artigo da nossa Carta Magna denuncia a existência de um povo marajoara escravizado, explorado, submisso aos caciques e aos tiranos. E dizer o despojamento da liberdade fundamental a decidir em consciência na hora de emitir o voto é o sinal mais claro e a chaga mais profunda de uma situação de desprezo extremo dos fundamentos da dignidade humana do povo do Marajó.
O pânico diante de quatro anos de fome, de marginalização social, de morte cidadã para o marajoara, sua família, diante do fantasma do desemprego, lançam ao povo do Marajó no mais profundo de um abismo de tristeza, de impotência, de acomodação forçada e de escravidão sem saída.Enfrentar situações como está e outras semelhantes motivou está condecoração.
A nível internacional tem motivado esta condecoração o prêmio internacional de Direitos Humanos Jaime Brunet da Universidade Pública de Navarra, Pamplona, na Espanha. Prêmio recebido também pelo Santo Padre, o Dalai Lama, entre outros. Um profundo sentimento de vergonha experimento ao responder esta pergunta. Minha única intenção é proclamar a verdade para a glória de Deus e a denúncia para quem desconhece a situação de extrema opressão e repressão no nosso amado Marajó.
Reporter: Qual o sentimento do senhor ao recebê-lo?
Dom José: O primeiro sentimento foi levantar o coração em louvor a Deus onipotente e eterno, o Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das Consolações, Protetor dos pobres e dos pequenos. Este prêmio confirmou em mim, de um modo evidente, a proclamação constante da Escritura: “Quem confia no Senhor não para si próprio ou satisfação pessoal, mas para que os outros sejam ajudados, acolhidos, respeitados, de fato, nas suas necessidades complexíssimas, ele será ouvido”.
Do meu coração brota um hino de gratidão também para a Ordem de Agostinianos Recoletos e mais em particular à província Santo Tomás de Vilanova que me ensinou a olhar para o outro buscando o perfil que nele apresenta o rosto de Nosso Senhor Jesus Cristo. Aprendi na vida austera dos anos de minha formação a respeitar e amar aqueles que não tinham nada na vivência da alegria da vida religiosa agostiano recoleta. Este constitui um motivo de profunda satisfação ao receber esse reconhecimento.
Desejo destacar a gratidão imensa ao povo do Marajó porque foi ele quem me ensinou, com sua paciência, sua resistência silenciosa, sua dor profunda. Na verdade, ele foi com o Espírito Santo o melhor mestre da minha vida. Esse povo motivou as fibras profundas do meu coração para entregar-me mais e mais apreendendo da sua serenidade para enfrentar os problemas, pela alegria misteriosa, não masoquista, de um povo admirável capaz de superar o impacto dificílimo de mazelas tão profundamente desumanizadoras como as que existem no Marajó.
Esse jeito único marajoara de saber suportar, levar para frente e apesar de tudo continuar confiando no poder de Deus porque a confiança nos homens não existe, me cativou. E isso não porque o marajoara não queira esperar, mas porque esta esperança, secularmente, foi desiludida de modo sistemático. Sem dúvida, o povo do Marajó, junto com o EspíritoSanto, me fez realmente Bispo.
Reporter: Agora que o senhor não atua como bispo prelado Marajó, quais são as atividades do senhor?
Dom José: São variadas, como por exemplo, acompanhar a Pastoral Familiar Norte 2 (Pará e Amapá). O contato com as famílias tem sido a ponte direta para o conhecimento e a proximidade com elas, com as problemáticas da mulher e da criança. Todas as áreas que estão incluídas neste prêmio.
Outra atividade em que continuo trabalhando é como bispo acompanhante da Comissão Justiça e Paz-Norte 2. Durante muitos anos, talvez 25, acompanho esta Comissão no Pará e Amapá, uma das regiões mais violentas e mais difíceis do Brasil com problemáticas, entre outras, tanto do meio ambiente, de terras, como do próprio exercício da justiça.
Na atualidade estou apoiando o Instituto Ancora Marajó, criado por duas leigas aqui de Soure (Pará), Kátia e Marluce, que estão ao mesmo tempo na origem de uma experiência importante em alguns municípios do Marajó, uma espécie de Pentecostes social. Este Instituto tem como atividade principal hoje, o enfrentamento ao abuso sexual de crianças, adolescente e vulneráveis.
Por outra parte, está o Instituto que leva o meu nome, Instituto Dom Azcona de defesa de Direitos Humanos e Justiça Social.
Trabalho também na REMA (Rede Marajó), espécie de observatório para a defesa dos Direitos Humanos, da justiça e da dignidade humana no Marajó e que depende da Universidade Federal do Pará.
Outra linha de atividades à qual dedico a maior parte do tempo e que não tem relação direta com a área dos Direitos Humanos e a dignidade humana. Refiro-me às atividades estritamente pastorais, como confissão, direção espiritual, retiros, até viajando ao estrangeiro às vezes. Para a glória de Deus e não para minha glória. Este é o tipo de atividade que preenche profundamente meu coração: encontrar os irmãos pecadores, os cegos, os que buscam a luz, os endurecidos. Esta constitui a minha máxima alegria.
Reporter: Continua defendendo as causas humanitárias?
Dom José: Sim. Continuo defendendo essas causas humanitárias, cada dia mais convicto de que a oração de intercessão tem uma dimensão essencialmente missionária, como proclama abertamente o Papa Francisco na Evangelii Gaudium na última parte sobre o Espírito Santo. A intercessão missionária especificamente nas áreas sociais, neste exercício de oração pela humanidade, pelas realidades sociais, relacionamentos culturais, políticos e econômicos no mundo, manifesta-seeficaz na ação sócio-transformadora, assim como da defesa da liberdade humana, da Dignidade do ser humano, através dessa intercessão missionária.
Reporter: Quais seus planos futuros?
Dom José: Já nesta idade de 82 anos fazer planosé um pouco arriscado. Quero manter a decisão já assumida de entregar minha vida pelos pobres, pelos pequenos do Marajó, pelos abandonados, de modo especial pelos pecadores aos quais possa chegar por meio da oração, assim como pelo serviço da Palavra pregada, pelo Sacramento da Reconciliação. Desejaria permanecer assim até o fim da minha vida.
Permanecer assim significa, para mim, amar e amar até a morte nas lutas pelos Direitos Humanos, pelasfamílias, pelas crianças. Uma existência de tantos anos me tem defrontado várias vezes com a realidade da morte, da morte próxima e iminente. A forma como tenho enfrentado o medo de morrer ecreio que a todos aos que entram na luta por Direitos Humanos, chega o momento da percepção clara de que a morte está se aproximando. Várias vezes tenho tido que fazer uma opção consciente e decidida pela humanidade contando com a morte.
Compreender que Deus não me enviou ao Marajó a ser um bom Bispo, mas a ser um bom pastor e compreender que o bom pastor dá a vida pelas ovelhas é a graça máxima pela qual quero glorificar constantemente ao Pai de toda a paternidade, no céu e na terra.
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