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Entrevista com Frei Rhuam: vítima do Coronavirus

Notícias da Província

24.06.2020 - 04:00:29 | 8 minutos de leitura

Entrevista com Frei Rhuam: vítima do Coronavirus

Frei Rhuam Ferreira Rodrigues de Almeida, 28 anos, ordenado padre há apenas 8 meses, vive na Paróquia São José de Queluz em Belém (PA) e desempenha a função de Promotor Vocacional para a região Norte do Brasil. Frei Rhuam foi infectado pelo Coronavirus, hospitalizado e, graças a Deus, está curado e pode nos contar um pouco sobre essa difícil experiência:

O senhor também foi vítima da Covid-19, e hoje está curado. Poderia nos relatar um pouco desta experiência?

Num primeiro momento, pensava que a Covid-19 era um simples resfriado, que tudo isso era exagero ou que nunca aconteceria comigo. Na verdade, fui descobrindo que eu estava errado aos poucos . Antes de ser diagnosticado com a Covid-19, apresentei sintomas de sarampo, sendo dias de febre alta, falta de apetite, dores no corpo, no estômago, náuseas e manchas no corpo. Durante 15 dias fiz uso de medicação para esta enfermidade. Dias depois da medicação, as manchas desapareceram. Fiquei livre dessas manchas e em menos de uma semana, comecei a ter os sintomas do coronavírus: ausência paladar e olfato. Fui piorando e o estado febril retornou acompanhado de falta de ar. Todo o processo de enfermidade se agravou. Estando já eu doente, Frei Luís Carlos Albim foi hospitalizado e foi diagnosticado com Covid-19. Dias após a internação de Frei Luís, tivemos a morte de nosso Confrade, Frei Pedro Maria Esparza, vítima da doença. Foi doloroso, pois ele faleceu em casa e vivenciamos toda sua agonia. No dia de seu sepultamento, dia 25 de abril, fui hospitalizado. Levado às pressas para o Hospital Beneficência Portuguesa, fiz o exame de tomografia e foi constatado que parte dos meus pulmões estavam comprometidos. Em três exames que fiz, os três confirmaram a enfermidade. Infelizmente, só fui acreditar na letalidade do vírus quando nos levou um irmão de Comunidade e tivemos que lidar com a morte. Internado, fiquei sabendo que o exame de todos os Frades da Comunidade deu positivo para Covid-19. Dos seis Frades, tivemos uma morte e cinco enfermos; Frei Luís Carlos em estado mais grave, ficando mais de trinta dias internado e eu que permaneci 8 dias. Os demais, tomaram medicação e se recuperaram em casa, pois, tiveram sintomas mais leves. Por isso, posso dizer que fui descobrindo, da pior forma possível, a gravidade da doença e o quanto o Covid-19 é grave e real.

O senhor sentiu medo?

Como toda enfermidade, nos vemos impotentes. Ainda mais quando fui detectado com a Covid-19. Todas as notícias de morte nos vêm à tona e nos invade a insegurança. Não tive medo da morte em nenhum momento, mas sim, senti pavor. A sensação de medo das pessoas em relação a você que está enfermo é o que mais ficou gravado em minha mente. O doente fica em isolamento, sem direito a visitas. Os médicos e enfermeiros entram no quarto vestidos como para uma guerra nuclear, sendo possível ver somente seus olhos. Senti falta de conversar, de tocar e de ter alguém comigo.

Como o senhor vê a realidade da pandemia?

Ouvir as notícias na TV, ler sobre os infectados num jornal ou ouvir sobre as mortes na rádio, pode nos distanciar da gravidade ou pensar que nunca se passará conosco. A pandemia é real e nós devemos nos cuidar para podermos cuidar de quem amamos. É tempo de nos resguardarmos e vivermos em nossas igrejas domésticas a experiência de Jesus Cristo assim como as primeiras comunidades cristãs. É muito triste vermos pessoas queridas partindo por conta desta doença. Como disse, é só neste momento que “a ficha cai” e a gente se dá conta. Por isso, antes que se passe a nós, tenhamos em conta que é preciso tomar os devidos cuidados ao mesmo tempo que tenhamos fé e esperança de dias melhores onde retornaremos às nossas atividades, não de forma normal, mas sim, um pouco melhores e com muitos aprendizados.

Como um religioso agostiniano recoleto vive esta quarentena?

Como todo cristão, o Agostiniano Recoleto deve viver as adversidades da vida com fé e esperança. Creio que estas duas posturas nos ajudam a vencer as dificuldades. A fé alimenta a esperança e vice-versa. Não podemos caminhar sem fé em Deus e sem esperança de dias melhores! Devemos viver a quarentena e a enfermidade nutrindo estes sentimentos e mesmo longe fisicamente, participar diariamente das Missas pela internet ou TV, rezar o Terço e fazer nossas orações pessoais. Isso me fortaleceu muito nos dias de internação. Ao mesmo tempo, fiz com que minha família e meus irmãos de comunidade participassem comigo daquela situação. É importante compartilhar as dores com as pessoas que se ama. Jesus também precisou de Simão Cirineu para lhe ajudar a carregar a cruz. Mesmo a cruz não sendo de Simão, este imprime um pouco de si naquele madeiro, por isso, é importante o telefonema, as mensagens e a partilha. Meu maior desejo era, quando saísse do hospital, presidir a Santa Missa e comungar o Santíssimo Corpo de Nosso Senhor. Chegando em casa, num domingo, foi a primeira coisa que fiz. Participei da Missa Dominical e no dia seguinte, Memória dos Mártires de Motril (05 de maio) presidi a Eucaristia.

Muitos dizem que teremos uma fé renovada após esta pandemia. Conversões acontecerão. Deus voltará a ser protagonista na vida das pessoas. Qual a opinião do Senhor?

Não vejo que a pandemia seja castigo de Deus ou algo do tipo, mas sim, aprenderemos algo com esta realidade. Tudo o que estamos vivendo está nos ensinando a valorizar o mais importante da vida. Da forma mais dolorosa, fomos privados da Eucaristia e dos Atos Litúrgicos, bem como, da presença física na Comunidade. Isso nos ajudou e está nos ajudando a valorizar os Sacramentos, o Sacerdote e a presença na Igreja. Da mesma forma, vimos o quanto estávamos longe de nossas famílias, as vezes morando sob o mesmo teto, e o quanto precisávamos valorizar quem amamos. Aprendemos o valor de um carinho, de uma palavra amiga e do quanto precisamos de um abraço. Por fim, vimos que a vida é um sopro e os bens materiais ficam velhos e perdem valor. O que conquistamos é efêmero e não nos garante saúde. Quando partimos, tudo ficará para trás. Acredito que passaremos a valorizar os bens mais importantes: Deus, a vida, a família e amigos. Oxalá seja um aprendizado para toda a existência e não para alguns dias ou meses.

Qual a sua mensagem para as pessoas após ter sido infectado pelo coronavírus?

Convido a valorizarmos a vida e a termos esperança. Creio que a melhor das mensagens está na Carta de São Paulo aos Romanos, versículos 5-12. Me lembrei muito desta passagem e essas palavras me ajudaram a superar as dificuldades:
"Justificados, pois, pela fé temos a paz com Deus, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo. Por ele é que tivemos acesso a essa graça, na qual estamos firmes, e nos gloria­mos na esperança de possuir um dia a glória de Deus. Não só isso, mas nos gloriamos até das tribulações. Pois sabemos que a tribulação produz a paciência, a paciência prova a fidelidade e a fidelidade, comprovada, produz a esperança. E a esperança não engana. Porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado. Com efeito, quando éramos ainda fracos, Cristo a seu tempo morreu pelos ímpios. Com muita dificuldade, a gente aceitaria morrer por um justo, por um homem de bem, quiçá se consentiria em morrer. Mas eis aqui uma prova brilhante de amor de Deus por nós: quando éramos ainda pecadores, Cristo morreu por nós. Portanto, muito mais agora, que estamos justificados pelo seu sangue, se­remos por ele salvos da ira. Se, quando éramos ainda inimigos, fomos recon­ciliados com Deus pela morte de seu Filho, com muito mais razão, estando já reconciliados, seremos salvos por sua vida. Ainda mais: nós nos gloriamos em Deus por nosso Senhor Jesus Cristo, por quem desde agora temos recebido a reconciliação!

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